À Mesa do Mundo - IV (La Taberna del Gourmet, Alicante)
Nos últimos anos, viagens frequentes à Galiza, à Andaluzia e ao Algarve fizeram-me descobrir as virtudes da gamba e dos camarão frescos. O bicho é tão bom, mesmo depois de passar pelo congelador, que nos esquecemos que o estágio no gelo é sempre um amortecedor de sabores. Comê-los frescos, desde a pequena gamba da costa algarvia ao gigante carabineiro, é experiência de outra dimensão, um regalo para os sentidos. Tudo começa no cheiro que exala da cabeça acabada de arrancar, júbilo de odores marítimos que nos prepara para a textura suave e viva que se segue. Em setembro do ano passado, em Alicante, provaram-se umas gambas rojas, frescas, sublimes.
Entrámos na Taberna del Gourmet (calle San Fernando, 10) ao fim da tarde, antes do rebuliço espanhol da hora de jantar. Situada no “casco” histórico da cidade, já muito perto da marginal mediterrânica, é discreta no exterior e abriga um ambiente moderno e decorado com sobriedade, dividido, como é habitual em Espanha, num espaço de barra e tapeo e numa sala de jantar. Ficámos pelo balcão, que nos oferecia o espectáculo das matérias-primas e da cozinha mesmo em frente. Com duas cañas pedidas e a lista em frente dos olhos verificámos que as ofertas eram variadas, interessantes, com preços ligeiramente acima da média de Alicante, mas justíssimos no caso de os produtos se revelarem de primeira qualidade. E foi isso que aconteceu. Para auscultar a cozinha e a frescura da matéria, pedimos choquinhos grelhados. Estes, muito pequenos, vieram cozinhados no ponto certo e acompanhados por azeite de salsa. Com as entranhas intactas, como se quer quando os choquinhos são frescos, encantaram com a sua simplicidade e sabor não corrompido pelo tempo. A Taberna cumpria e dizia-nos que nos podíamos atirar às gambas com segurança. E lá vieram elas, com um pouco de azeite no qual são levemente salteadas, ficando no limiar do cru, o que realça sabores e mantém toda a água no interior de um miolo mole mas, ao mesmo tempo, consistente. Da cabeça, para além do cheiro inebriante, solta-se um suco abençoado que se sorve ruidosamente sem pudores. A caña já fora substituída por um alvarinho servido a copo e o dia já não podia ser lembrado como menos do que perfeito. Abandonámos o local com alguma contrição, mas Espanha convida ao trânsito e havia que aproveitar a última noite na cidade para conhecer outros lugares. A poucas dezenas de metros da Taberna del Gourmet encontrámos a tasca galega onde, no dia anterior, havíamos sido felizes com cocochas, pimientos de padrón (unos pican e outros no) e o melhor lingueirão que nos tocou os dentes nos últimos anos. Passámos-lhe ao lado, mais uma vez com grande pena, mas com a certeza de que, à mesa (e não só!), se está muito bem em Alicante.
Carlos Miguel Fernandes
Nos últimos anos, viagens frequentes à Galiza, à Andaluzia e ao Algarve fizeram-me descobrir as virtudes da gamba e dos camarão frescos. O bicho é tão bom, mesmo depois de passar pelo congelador, que nos esquecemos que o estágio no gelo é sempre um amortecedor de sabores. Comê-los frescos, desde a pequena gamba da costa algarvia ao gigante carabineiro, é experiência de outra dimensão, um regalo para os sentidos. Tudo começa no cheiro que exala da cabeça acabada de arrancar, júbilo de odores marítimos que nos prepara para a textura suave e viva que se segue. Em setembro do ano passado, em Alicante, provaram-se umas gambas rojas, frescas, sublimes.
Entrámos na Taberna del Gourmet (calle San Fernando, 10) ao fim da tarde, antes do rebuliço espanhol da hora de jantar. Situada no “casco” histórico da cidade, já muito perto da marginal mediterrânica, é discreta no exterior e abriga um ambiente moderno e decorado com sobriedade, dividido, como é habitual em Espanha, num espaço de barra e tapeo e numa sala de jantar. Ficámos pelo balcão, que nos oferecia o espectáculo das matérias-primas e da cozinha mesmo em frente. Com duas cañas pedidas e a lista em frente dos olhos verificámos que as ofertas eram variadas, interessantes, com preços ligeiramente acima da média de Alicante, mas justíssimos no caso de os produtos se revelarem de primeira qualidade. E foi isso que aconteceu. Para auscultar a cozinha e a frescura da matéria, pedimos choquinhos grelhados. Estes, muito pequenos, vieram cozinhados no ponto certo e acompanhados por azeite de salsa. Com as entranhas intactas, como se quer quando os choquinhos são frescos, encantaram com a sua simplicidade e sabor não corrompido pelo tempo. A Taberna cumpria e dizia-nos que nos podíamos atirar às gambas com segurança. E lá vieram elas, com um pouco de azeite no qual são levemente salteadas, ficando no limiar do cru, o que realça sabores e mantém toda a água no interior de um miolo mole mas, ao mesmo tempo, consistente. Da cabeça, para além do cheiro inebriante, solta-se um suco abençoado que se sorve ruidosamente sem pudores. A caña já fora substituída por um alvarinho servido a copo e o dia já não podia ser lembrado como menos do que perfeito. Abandonámos o local com alguma contrição, mas Espanha convida ao trânsito e havia que aproveitar a última noite na cidade para conhecer outros lugares. A poucas dezenas de metros da Taberna del Gourmet encontrámos a tasca galega onde, no dia anterior, havíamos sido felizes com cocochas, pimientos de padrón (unos pican e outros no) e o melhor lingueirão que nos tocou os dentes nos últimos anos. Passámos-lhe ao lado, mais uma vez com grande pena, mas com a certeza de que, à mesa (e não só!), se está muito bem em Alicante.
Carlos Miguel Fernandes
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