Wednesday, August 30, 2006

Uma Refeição (6): Sorvete de Lima e Hortelã

Numa panela, despeja-se um copo de água (dois ou três decilitros) e o mesmo volume de açúcar. Junta-se um copo de sumo de lima, a casca picada de uma lima e um molho pequeno de hortelã. Juntam-se também alguns ramos de coentros, salsa e manjericão. Deixa-se ferver durante dez minutos. Filtra-se a mistura, espremendo bem as ervas. Coloca-se no congelador durante uma hora, ao fim da qual se retira o sorvete apenas para o “bater” um pouco. Volta-se a colocar no congelador durante mais algumas horas. Serve-se uma bola decorada com algumas folhas de hortelã e manjericão.

Nota: misturado com cachaça ou vodca, este sorvete é ideal para limpar o palato entre pratos.

Carlos Miguel Fernandes
Uma refeição (5): Pato com risotto dos seus “miúdos” e salada de rucola e agrião com Parmesão

Este prato não disfarça as suas cores italianas, mas a personagem principal, o pato, é preparado de acordo com uma receita húngara. As quantidades indicadas, tal como nas receitas anteriores, servem quatro pessoas em regime de degustação. Vamos por partes:

O Pato. Tempera-se um peito de pato com uma chávena de vinho branco, sumo de meio limão, uma colher generosa de mel, duas ou três folhas de louro e alguns dentes de alho esmagados. Deixa-se a marinar durante um par de horas no frigorífico antes de fritar em óleo de amendoim durante 10 minutos (cinco de cada lado). Fatia-se a carne, a qual deve estar mal passada, mas sem largar sangue.

O Risotto. Fazer um risotto é uma tarefa que, parece ser bem executada, requer muitas tentativas prévias e quase tantos erros. É necessário “esquecer” tudo o que se aprendeu sobre o arroz malandrinho característico da península ibérica. O risotto não se quer solto, quer-se cremoso. O risotto não se deixa em lume brando a cozer, sem meter a colher; no risotto mexe-se, e mexe-se muito! Mas, mais do que tudo, o risotto pede...risotto. Arroz italiano. Carnoli, Arboreo ou Vialone Nano, tanto faz, embora o último, de grão mais pequeno, como o nome indica, seja rejeitado pelos puristas, que o deixam para as sopas. O Arboreo é nobre, e mais raro. O Carnoli é o clássico. Usar arroz italiano na confecção de um risotto não é um preciosismo pedante. O grão deste arroz tem características únicas e necessárias para atingir os resultados que se pretendem. Usando outro tipo arroz, pode-se respeitar o processo todo e, mesmo assim, não ficaremos com mais do que um pilaf. Por isso, depois de saltear uma cebola bem picada e dois dentes de alhos laminados em três colheres de sopa de azeite, vamos juntar uma chávena bem cheia de Carnoli (ou Arboreo, ou até Vialone...) e deixar que os grãos fritem durante alguns minutos na mistura (o tacho deve ser baixo e largo; um wok, por exemplo, presta-se bem à confecção do risotto, embora, obviamente, existam opções mais ocidentais). Quantos estes começarem a querer mostrar aquela transparência dourada característica do arroz frito, sabe-se que chegou a altura de juntar o líquido. E aqui paramos noutro ponto crucial: o caldo.
Não se faz risotto sem caldo. (Já tentei, e os resultados foram desastrosos.) É preciso qualquer coisa para dar vida à água onde o arroz vai cozer: carne, peixe, marisco, legumes. Para o nosso risotto de miúdos de pato vamos usar o caldo que emerge da cozedura de três moelas e três fígado. Assim, junta-se o útil ao agradável. Para além de se criar com um caldo rico e ideal para o risotto, faz-se também a pré-cozedura das moelas, as quais, sem esse processo, ficariam intragáveis (as moelas de pato são muito rijas e, mesmo cortadas em pequenos pedaços, não encontram, no tempo de cozedura do risotto, calor suficiente para amolecer). Quarenta e cinco minutos a cozer num litro de água com pouco sal deve ser suficiente para amaciar os buchos. Os fígados entram nessa altura para mais cinco minutos de cozedura. Retiram-se os fígados e as moelas, e mantém-se o caldo quente para ser usada no risotto (o caldo nunca deve entrar frio). Regressemos ao nosso arroz, que se encontrava no fogo à espera do caldo, mas ao qual vamos juntar antes as moelas cozidas e picadas, para alourar um pouco, e a seguir um decilitro de vinho branco. O vinho não é um ingrediente fundamental para a nossa receita, mas dá alma ao risotto, abrindo-lhe ainda mais os sabores. (Diz quem sabe que espumante faz ainda mais maravilhas.) Deixa-se o arroz absorver grande parte do vinho, mexendo sempre com uma colher de pau. Juntam-se os fígados picados. A partir dessa altura vai-se adicionando o caldo, lentamente, até o arroz estar quase cozido (no final, deve estar al dente). A água nunca deve afogar o arroz, mas apenas cobri-lo em parte, como um rio faz à areia num estuário largo. Quando o caldo começar a rarear, junta-se mais, sempre com controlo cuidadoso da estado da cozedura. Como o caldo já tem sal, não deverá ser necessário acrescentar mais. (Aliás, o arroz deve até manter-se ligeiramente insosso até ao final da cozedura, pois o Parmesão é salgado e compensa a falta de tempero.)
Quando o arroz estiver quase cozido, e enquanto a última porção de água vai desaparecendo, atiram-se umas lascas de Parmesão para dentro do tacho, e mexe-se muito bem, deixando o queijo invadir o risotto, transmitindo-lhe cremosidade, antes de apagar o fogo. Também se pode acrescentar uma noz de manteiga.

A Salada. Mistura-se uma mancheia de folhas de agrião com outra de rucola. Rega-se um molho de vinagrete feito de três colheres de sopa de azeite, uma de vinagre e outra de sumo de tomate (espremido de um tomate fresco). Mexe-se bem.

O Prato. Colocam-se no prato quatro ou cinco fatias de pato, uma bola de arroz e um pouco da salada. Por cima desta, deitam-se lascas muito finas queijo parmesão que se regam com um fio de azeite (bom azeite, sempre bom azeite*). Pode-se ainda ralar algum Parmesão por cima do risotto, ou apresentar na mesa um naco de queijo e um ralador.

Carlos Miguel Fernandes

*Comprei há pouco tempo em Sevilha um azeite de sabor forte, adequado para a competir com a personalidade do Parmesão. É um azeite de acebuchina, produzido por El Callejón.
Uma Refeição (4): Raia em cama de pão catalão, com espetadinha de camarão e caña de lomo ibérico e açorda de ovas de bacalhau

Regressamos à mesa com um prato de inspiração mediterrânica. As quantidades foram escolhidas para uma refeição de degustação para quatro pessoas, mas, duplicando-as, a receita pode ser transformada num prato principal de uma refeição mais curta. Vamos começar.

Lava-se muito bem a raia e tempera-se com azeite, alho, sal, pimenta e coentros frescos (uma “asa” de raia grande, ou duas mais pequenas, é quantidade suficiente para quatro pessoas). Frita-se o peixe em azeite durante quinze minutos (dez minutos de um lado, sem mexer, e cinco do outro). Entretanto, torram-se quatro fatias finas de pão (pão do sul, sempre). Rala-se meio tomate por cima de cada torrada e rega-se com um fio de azeite. No prato, a raia vai aparecer por cima deste “pão catalão”.
Para a espetada, descascam-se quatro gambas grandes (mantendo as cabeças) que vão estagiar no frigorífico durante algumas horas, temperadas com alho, gengibre, sal e pimenta. Fazem-se quatro espetadas atravessando, com um palito grande ou com um pau de espetada, um pequeno quadrado de cebola, outro de pimento e um cubo de caña de lomo ibérico de bellota (penso que em Barrancos já se produzem coisas de qualidade semelhante, mas ainda não provei; no entanto, tendo em conta a qualidade estratosférica do presunto da Casa do Porco Preto, penso que é uma crença bem sustentada). A gamba é colocada em U, com o pau a furar-lhe a cabeça e a cauda, deixando no meio os outros ingredientes. Fritam-se as espetadinhas em óleo de amendoim muito quente durante cerca de um minuto de cada lado (a primeira face deve apanhar sempre mais algum “calor”).
A confecção da açorda começa alguns dias antes, quando o pão (cerca de 250 g) é deixado desprotegido e a enrijecer. (Mais uma vez, recomenda-se que o pão seja trazido do sul.) Depois, antes de pôr a mão nos tachos, inverte-se o processo, juntando-lhe água até amolecer. Entretanto, coze-se 100 g de ovas de bacalhau durante dez minutos num litro de água com um pouco de sal. Despeja-se um pouco da água da cozedura no pão, que já deve estar bem ensopado, e reserva-se o resto. Numa panela, aquecem-se três colheres de sopa de azeite e fritam-se três dentes de alho esmagados durante um ou dois minutos. Retiram-se os alhos, e salteiam-se as ovas previamente trituradas. Quando as ovas estiverem alouradas, adiciona-se o pão. Mexe-se muito bem, e junta-se um ramo de poejo, dois dentes de alho bem picados e, aos poucos, a restante água da cozedura das ovas. Quando a mistura estiver uniforme, junta-se uma gema de ovo e duas colheres de sopa de coentros frescos picados. Rectificam-se os temperos, mexe-se durante um minuto e retira-se do fogo. A açorda está pronta para ser servida.
Apresenta-se tudo num prato grande, com as três personagens afastadas umas das outras para que os sabores não se misturem.

Carlos Miguel Fernandes