Monday, July 30, 2007

Livros do Mundo IV - Comida Proibida

(O Na Cozinha associou-se ao No Mundo para responder a um desafio que circula pela blogosfera: falar de cinco livros que temos, neste momento, na mesa de cabeceira. Este blogue deu a seguinte contribuição:)

Estou a ler In the Devils Garden — A Sinful History of Forbidden Food, de Stewart Lee Allen, uma história de comidas proibidas, de alimentos que foram e são tabu e de outros que adquiriram estranhas e obscuras conotações. O autor percorre o mundo em busca de explicações para algumas das tradições alimentares dos homens e conta-nos histórias belíssimas e surpreendentes. Termino como comecei, com uma citação. Um monge grego, depois de explicar a Allen como se transformou a maçã no Fruto Proibido, remata a história:

The hermit laughed after he had explained. But the Bible never identifies the evil fruit, he said; it was the Roman Catholics who put the apple there. The Greek Church sees the forbidden fruit only as a symbol of pride and carnal desire. He pointed; these are only apples, my friend, which by God’s will are now divided into four pieces, one for each of us. He handed the wedges around with a smile.
Now eat.


O livro foi comprado numa excelente livraria de Seul, a Bandi & Lunis, de onde trouxe mais duas importantes obras para a biblioteca de gastronomia (uma sobre chá, outra sobre gastronomia holandesa), as quais acabarão, mais tarde ou mais cedo, por entrar neste Livros do Mundo. Acrescento ainda que In the Devils Garden nos oferece algumas receitas, e, como é tradição nesta secção, aqui fica uma, relacionada com o tema da maçã. Trata-se de Lamb's Wool, uma bebida cuja origem remonta ao paganismo celta, ao enigmático mundo dos druidas, e que ainda hoje é comsumida com estranhos rituais herdados de tempos muito antigos. Na lista de ingredientes encontramos a ale; e assim se faz a ligação com viagens e textos recentes.

6 apples

2 quarts hard cider, or a mix of cider and ale

Up to 1/4 cup honey or 1/2 cup brown sugar

1/8 teaspoon ground nutmeg

1/teaspoon cinnamon

1/4 teaspoon ground allspsice

Core the apples and roast at 400º F for 45 minutes, or until they are soft and beginning to burst. Put the cider/ale into a large pot and dissolve the honey or sugar in small increments, tasting for desired sweetness. Add spices. Simmer for about ten minutes. Lighly mash apples and add one to each mug and pour hot cider on top. Sprinkle with cinnamon. Serves six.

Carlos Miguel Fernandes




Wednesday, July 25, 2007

Pequenos Prazeres – Anchovas Secas (Coreia do Sul)

As anchovas secas são os tremoços das cervejarias e bares coreanos. São por vezes servidas num prato de aperitivos com diversas secções, nos quais podem aparecer outros tipos de peixe seco, produtos típicos da região que são facilmente encontrados em qualquer supermercado da Coreia do Sul. Em Busan, mesmo ao lado do famoso mercado, e no meio de inúmeros restaurantes de sabores marítimos, há uma zona com bancas dedicadas exclusivamente ao peixe e marisco seco. Já na Islândia, outro país de pesca e de pescadores, encontrei também uma forte tradição de consumo de peixe seco: no aeroporto de Reykjavik, o petisco é vendido com honras de símbolo nacional. Em Portugal também existe, pelo menos no Algarve, o hábito de secar o peixe. No entanto, é prática pouco visível, e se não fossem algarvios atentos com os quais tenho o prazer de partilhar mesas, talvez nunca tivesse ferrado o dente em peixe seco português. O que seria uma pena, porque aquilo que já me foi dado a provar não fica atrás do que tenho encontrado noutros lugares. Mas já desisti de tentar entender estes mistérios de Portugal.


Em Março deste ano trouxe anchovas secas da Coreia do Sul, obviamente, mas o estoque, do qual fazem parte outros bichos, já dava sinais de colapso quando embarquei para Londres. No Bloomsbury fui feliz, encontrei um supermercado coreano (não me recordo do endereço, mas sei que está numa rua perpendicular à Gower Street, no Bloomsbury), e de lá veio um saco de anchovas que deve satisfazer os desejos da casa durante algum tempo. (Em Portugal não sei se será possível encontrar este petisco coreano, mas deposito alguma esperança no Exotic Asia Market.) Com um punhado destes peixinhos que vieram de Inglaterra vou tentar fazer um dos muitos acompanhamentos que se podem encontrar nas coloridas mesas coreanas: anchovas secas e fritas. Só tive a felicidade de prová-las no final da primeira viagem que fiz à Coreia do Sul, num já distante ano de 2001. Foi no aeroporto, e vieram como acompanhamento de um polvo magnífico, guisado, que me fez esquecer a triste circunstância de estar ali à espera do embarque.

(Não parecem ter segredo algum, as anchovas secas e fritas. O mais difícil pode ser mesmo comprar as anchovas. Depois, é só envolvê-las com um pouco de óleo, e fritá-las enquanto se junta molho de soja, sal de sésamo e um pouco de açúcar.)

Carlos Miguel Fernandes

Tuesday, July 24, 2007

Cozinha Algarvia — Camarões em Molho de Tomate com Tiborna e Azeite de Orégãos Frescos

(Puxei este texto aqui para cima pois com ele resolvi participar no último desafio do hemc#13, sobre langostinos/camarões.)

Para a realização deste prato inspirei-me nas Sardinhas em Molho de Tomate e na Tiborna. No entanto, devo dizer que, para já, os Camarões em Molho de Tomate com Tiborna e Azeite de Orégãos Frescos é um prato falhado. Mas vamos começar pelas referências. Para conhecermos as Sardinhas em Molho de Tomate consultamos o livro Cozinha Tradicional do Algarve, da autoria de Conceição Amador, e editado pela Colares. Lá encontramos três receitas diferentes. Deixo aqui a que me parece mais canónica:

1 Kg de sardinhas pequenas
1 Kg de tomates bem maduros
1 cebola grande
1 pimento
2 dentes de alho
Sal q.b.
Salsa q.b.
Azeite q.b.
Vinho branco q.b.

Tire as escamas e as tripas às sardinhas. Lave-as bem e salpique-as com sal.
À parte, comece por aquecer o azeite num tacho, junte o alho e a cebola picados e deixe alourar. Junte o tomate cortado em cubinhos e deixe fritar. Junte depois o pimento em fatias finas, um pouco de vinho branco.
Assim que ferve, mergulhe neste molho as sardinhas e deixe cozer só mais 5 minutos.
Polvilhe com salsa e está pronto a servir.Pode acompanhar com batata frita, batata cozida ou arroz branco.


A Tiborna que se fez para este prato foi inspirada numa interessante variação da receita mais tradicional, encontrada no livro Festa da Gastronomia e das Receitas Típicas das Aldeias do Algarve, editado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve. A receita foi recolhida em Monchique e reza assim (o sumo de laranja foi o pormenor que me chamou a atenção):

Autores: Andreza da Conceição (já falecida), José António da Conceição e Ana Maria do Carmo (Restaurante A Charrete)
Ingredientes (para 4 pessoas): 1 pão caseiro quente, 4 dentes de alho pisados, 2 dl de azeite da serra, 1 colher de sal grosso, sumo de meia laranja.Preparação: Num prato raso colocam-se os alhos pisados, o azeite, o sumo de laranja e o sal. Com a mão parte-se o pão ainda quente e molha-se no preparado.


O que se fez, e o que falhou? Como título indica, substituíram-se as sardinhas pelos camarões. Os bichos, temperados com sal e pimenta e fritos em óleo de amendoim, até compuseram o fragmento mais saboroso do conjunto. Mas agora parece-me que este ímpeto burguês não faz muito sentido, e na próxima tentativa voltarei a dar um carácter mais popular à receita, fazendo regressar as sardinhas ao prato. O molho de tomate foi feito com os ingredientes indicados na receita, aos quais se acrescentaram três ou quatro folhas de hortelã. Triturou-se tudo, e aqueceu-se o molho resultante na altura de servir. Faltou o aroma da hortelã, tal como esteve desaparecido o fresco perfume dos orégãos no azeite do mesmo. Quando voltar a este prato, já sei que a dose de hortelã deve ser reforçada, na confecção do molho, e também na apresentação final, com algumas folhas inteiras. O azeite de orégãos frescos vai ficar na gaveta. Prefiro polvilhar o prato com algumas folhas, dando-lhe assim a cor e o cheiro desejados. Era nas ervas frescas usadas na cozinha algarvia que a ideia deste prato se sustentava. Abdicou-se dos coentros e da salsa, sabores já muito batidos, e ancorou-se o prato na hortelã e nos orégãos. Como estes não foram bem aplicados, o edifício ruiu. Salvaram-se os camarões, e o molho de tomate, trave mestra da cozinha mediterrânica e sabor sempre irresistível.



A confecção da Tiborna também não correu bem. Foi pequeno, mas fatal, o erro. Para reduzir um pouco o sumo laranja, levei-o ao lume já misturado com o azeite e o alho. O azeite “cozeu” e ficou com um sabor demasiadamente forte. Nada que não se resolva fazendo a redução do sumo de laranja isolado, o qual depois se despeja sobre uma fatia de pão já molhado com o azeite. Uns grão de flor de sal dão o toque final.



Deixaram-se comer, estes Camarões com Molho de Tomate. Mas, pelo menos na forma presente, não são matéria digna de arquivo. As recriações dos Carapaus Alimados e das Ervilhas com Ovos Escalfados, mais dois clássicos algarvios, já são outra conversa. Em breve, neste blogue.

Carlos Miguel Fernandes

Tuesday, July 17, 2007

Comer em Londres




As imagens não são tão apelativas como aquelas que ilustraram como se come em Busan e em Seul, mas nesta última viagem, não sei por que razão, não fui com muita disposição para esquadrinhar a cidade em busca dos melhores lugares para comer. Mas atenção!, que isto não reforce o mito de que em Londres, e na Ilhas Britânicas em geral, se come mal. Há excelentes restaurantes em Londres. Alguns, caríssimos, estão certamente entre os melhores do mundo, mas há também pequenas casas no centro da cidade que servem excelentes refeições a preços mais módicos. E começo agora a lamentar não ter experimentado o restaurante de peixe que encontrei no Bloomsbury, o North Sea Fish Restaurant. Infelizmente, estava muito perto do meu hotel, e nunca me cruzei com ele numa hora adequada para refeições. Pequeno, acolhedor, simples, deixava transparecer alguma qualidade. Fica para a próxima.

Carlos Miguel Fernandes

Tuesday, July 03, 2007

Livros do Mundo III — “Literatura” de Aeroporto

Os aeroportos são a face negra da viagem. Tempos de espera insuportáveis, ar irrespirável, e agora a paranóia securitária. São estes os “argumentos” dos aeroportos, e tudo piora quando neles se entra para embarcar na inevitável viagem de regresso. Alguns atenuam-nos o sofrimento com as charcutarias gourmet. Os queijos do Schiphol (Amsterdão) e o fígado de ganso do Ferihegy (Budapeste) aligeiram a angústia. Mas é em Espanha que enfrentamos a perdição, quando nos vemos rodeados por vinhos, enchidos e queijos de qualidade suprema. Os aeroportos de Madrid, Barcelona e Alicante têm lojas muito recomendáveis, e suspeito que o mesmo se passa noutras regiões do país. É nesses recantos de pecado que podemos encontrar o Guía de los Quesos de España e o Guía de los Embutidos de España. Um pequeno cabaz de compras garante-nos um dos livrinhos, mas estes também podem ser adquiridos a solo por poucos euros.





















Estes Guías não são livros fantásticos mas têm alguma informação útil. E quem já passeou por Espanha, pela imensa e bela Espanha, sabe como é difícil acompanhar o desfile de queijos, enchidos e fumados que se desenrola descaradamente em frente aos nossos gulosos olhos. Basta olhar para a Catalunha (terra da butifarra e do fuet, parentes do magnífico catalão de Barrancos) para vermos um mundo de enchidos; e as tortas extremenas, o cabrales asturiano e a tetilla galega são suficientes para colocar Espanha na primeira divisão dos queijos. Mas há mais, muito mais, e um guia, por muito singelo que seja, não é auxiliar que se deva desprezar. Por isso, caros leitores, se passarem por algum aeroporto espanhol, entrem numa loja, agarrem um manchego bem curado, um bom bellota, uma cecina (presunto de vaca) e um naco de moxama de atum, e peçam na caixa o livro que vos é devido. E apesar destes guias não serem livros de receitas, algumas coisas do género podem ser encontradas por lá. Tal como este el ahumado en casa, que vos deixo aqui, cumprindo o costume desta secção Livros do Mundo.

Se puede dar un sabor ahumado a la carne fresca o al salmón, utilizando un recurso casero. Para ello se necesitan 600 g de sal gruesa de mar, 400 g de azúcar en polvo, 60 g de grano de pimienta molida y eneldo o hinojo [endro] o media cucharada de un aperitivo anisado en su defecto: todos estos ingredientes se mezclarán en una ensaladera. La carne fileteada se pincha, casi atravesándola, por ambos os lados. Se cubre el fondo de una bandeja con la mezcla; se colocan los filetes de carne sobre la capa, y se vierte el resto de la mezcla hasta que la carne se quede totalmente sumergida; se cubre con papel film y se mete en el frigorífico durante 48 horas. Después, se enjuaga abundantemente la carne, y se la deja seis horas más en un recipiente grande con agua fresca para que se desale. Por último, se seca bien con papel absorbente y se mete de nuevo en el frigorífico, pero destapada, durante veinticuatro horas más. El resultado es sorprendente.

A receita foi testada com salmão. Surpreendente não é adjectivo que usasse. Mas é muito bom, e dá-nos ganas de levantar o dedo e pedir una caña más, por favor.

Carlos Miguel Fernandes