Wednesday, December 26, 2007

Literatura e Gastronomia – Enrique Vila-Matas e as Ostras

Seria eu capaz de algum dia escrever a partir de uma situação limite, tal como fazia sempre o meu admirado Copi? Isso interrogava-me eu naquele dia enquanto comia ostras com o escritor e Boutade e, enquanto as comia, por um lado recordava-me de Hemingway, que, quando tinha algum dinheiro em Paris, as comia “com o seu forte sabor a mar e o seu toque metálico que o vinho fresco limpava, deixando apenas o sabor a mar e a polpa saborosa”, e por outro lado não parava de pensar na sorte que eu tinha por poder comer aquelas deliciosas ostras, de as poder comer bebendo lentamente o frio líquido de cada uma das conchas e depois perder esse gosto com o límpido sabor do vinho branco seco.
Enrique Vila-Matas, Paris Nunca se Acaba

A minha relação com as ostras não segue o chavão normalmente associado a este lendário marisco. Ou se adora, ou se detesta, costuma-se dizer. Eu gosto de ostras, gosto até muito, mas não é um bicho que me faça sonhar durante meses com a longa viagem ou com o jantar de celebração que me permitirá provar o sabor a mar e a polpa saborosa. A qualidade, a frescura e até a variedade da ostra varia muito de restaurante para restaurante, e até de país para país. Por isso, não é com a simples evocação do literário molusco que salivo, mas com as recordações deste quando associadas a certos lugares, não só pela magia e exotismo dessas paragens, mas também pela suprema qualidade das ostras que lá provei. Estou a falar de dois lugares muito distantes um do outro. Aqui perto, temos Cacela-Velha, e a famosa tasca que enche como um ovo durante os concorridos dias de Verão algarvios, a qual, para além de umas ostras fresquíssimas, servidas cruas com pimenta e limão ao lado, também nos dá a provar as fantásticas amêijoas da Ria Formosa. Do outro lado do mundo chegam-me memórias ternas das melhores ostras que já comi. Foi no primeiro andar mercado do peixe de Busan (o Jagalchi), no restaurante, e foram-me servidas enquanto esperava pelo final da cocção do caranguejo-real de quatro quilos que uns minutos antes havia escolhido numa das bancas do mercado, quando este ainda se mexia no enorme aquário. Inesquecível.

Carlos M. Fernandes, Busan, Coreia do Sul, 2007


Carlos Miguel Fernandes

4 comments:

ME SELF said...

Olá Carlos,

Descolbri este requintado blogue por uma simple busca na inernet sobre receitas de raia e fiquei a gostar bastante.

Queria dar-te os parabéns pelo excelente equilibrio entre a culonária e o seu aspecto cultural que aqui consegues. Escrito em Português é ainda melhor (pois é bastante mais raro ...).

Queria também convidar-te a conhecer o blog do qual sou editor, o http://andthisisreality.blogspot.com e a tornareste nosso leitor.

É talvez o primeiro blog nacional a assumir-se como um serviço de actualização de estilo diário. Tratamos de temas tão dispares como arquitectura, gastronomia, hotspots ou moda. Tudo a bem da informação das novidades com mais estilo do que se vai fazendo por cá e lá ...

Caso gostes agradeciamos de ser referenciados no teu blog, pois penso que os teus leitores podem estar interessados também no nosso blog (e vice-versa claro ...)

Aparece e ... Parabéns!

Elvira said...

Feliz Ano Novo! Beijos.

CMF said...

me self, o blogue vai já ali para a coluna da direita para ser consultado com regularidade.

Um bom ano para todos!

Anonymous said...

Exmos senhores, Gostaríamos de informar que no mesmo dia da estreia de “Sentido Portátil”, pelas 18h30 Enrique Vila-Matas estará presente no CCB para “café Perec” - um encontro com escritor. Para mais informações poderá aceder ao nosso site: www.jumpcut.