Outra Refeição
O aroma do refogado de tomate e cebola devolveu-o ao mundo suportável. Vinha de uma casa de pasto para a qual se descia por uma escada de cimento construída entre as pedras que delineavam o cais. Viu caçarolas fumegantes cheias de mexilhões à marinheira. Eram horas e um magnífico local para tirar a barriga de misérias.
Manuel Vázquez Montalbán, Tatuagem
Havia chegado a altura de nos atirarmos aos tesouros trazidos das recentes visitas a Barcelona e à Deli Delux. Para isso, era necessário preparar uma refeição que enquadrasse os petiscos e procurar bebidas adequadas. Finalmente, neste fim-de-semana, o evento concretizou-se. Tudo começou com uns burriés e uns berbigões inesperados, que, mesmo estando frescos, só confirmaram a dificuldade em arranjar marisco de boa qualidade em Lisboa. Interessantes, os bichos, mas olvidáveis. Depois, veio o céu. Preparou-se uma tábua de queijos com o Tartufo e o Scarmoza da Deli, com um manchego fumado comprado numa rua do bairro Gótico de Barcelona, e com um queijo de cabra coberto com paprica, adquirido no mesmo local. Queijo de ovelha e cabra, como se quer num tábua decente, com o toque gracioso do leite de búfala do Scarmoza (ficou guardado um Azeitão, para outra ocasião). Perfeito. O Tartufo e o Scarmoza (este último provado pela primeira vez) são queijos de qualidade suprema, donos de sabores complexos e delicados. Emocionam qualquer apreciador de queijos, e têm potencial para converter os mais cépticos. Os dois queijos espanhóis, sendo exemplares de outra categoria, lutaram mesmo assim galhardamente, conquistando a aprovação de todos os que estavam à mesa. O de cabra parece vir de uma produção pouco industrializada, e dificilmente será encontrado por quem ler estas linhas se não viajar até à Catalunha. Mas aqui fica o nome, para quem quiser registar: La Pastora d’Olo. A escolha do vinho para acompanhar a tábua incidiu em França, pois nestas coisas da mesa, é país que sabe o que faz. Foi um magnífico Châteauneuf-du-Pape (Soleil et Festins) de 2001, comprado na Deli Delux, que nos acompanhou durante a aventura queijeira.
Logo a seguir passou-se para a secção dos fumados. Lomo Ibérico trazido de Sevilha, e Fuet e ovas de maruca de Barcelona, demonstraram mais uma vez que , do outro lado da fronteira, não se brinca com os embutidos e os ahumados. Para completar a secção dos petiscos, vieram as gambas, tratadas de duas forma distintas: ao alhinho, e com sambal (Udang Goreng), à maneira indonésia.
Depois começaram os pratos, que me abstenho de comentar, pois só critico obra alheia:
- Carapaus alimados com pasta de azeitonas, alcaparras e anchovas, aveludado de batata doce, pimentos assados (com azeite da Herdade de Manantiz) e camarão do Árctico;
- Favas com línguas de bacalhau e amêijoas, e bacalhau confitado com cogumelos salteados e gamba com gengibre;
- Raia sobre pão catalão, com espetadinha de camarão e açorda de ovas de bacalhau;
- Costeletas de pato com mel, e fettuccine de castanha com marisco;
- Sorvete de lima e hortelã, camembert no forno e bananas fritas;
Acompanhou-se a refeição com alvarinho Deu La deu, cerveja Hoegaarden e Franciskaner, consoante o prato na mesa. Os últimos dois pratos não resultaram naquilo que fora previamente planeado, devido ao cansaço e às muitas horas de mesa que já começavam a pesar. Faltaram, principalmente, o risotto de cogumelos para acompanhar o pato, e alguns pormenores à sobremesa, que lhe dariam outras cores e cheiros.
Não comento os resultados, mas prometo revelar algumas receitas no blogue Na Cozinha. Quero só acrescentar que o sorvete de lima e hortelã, quando agregado a um pouco de cachaça, resulta num excelente estabilizador de palato, situando-se algures entre a caipirinha e o mojito.
(Este texto é publicado simultaneamente nos blogues No Mundo e Na Cozinha)
O aroma do refogado de tomate e cebola devolveu-o ao mundo suportável. Vinha de uma casa de pasto para a qual se descia por uma escada de cimento construída entre as pedras que delineavam o cais. Viu caçarolas fumegantes cheias de mexilhões à marinheira. Eram horas e um magnífico local para tirar a barriga de misérias.
Manuel Vázquez Montalbán, Tatuagem
Havia chegado a altura de nos atirarmos aos tesouros trazidos das recentes visitas a Barcelona e à Deli Delux. Para isso, era necessário preparar uma refeição que enquadrasse os petiscos e procurar bebidas adequadas. Finalmente, neste fim-de-semana, o evento concretizou-se. Tudo começou com uns burriés e uns berbigões inesperados, que, mesmo estando frescos, só confirmaram a dificuldade em arranjar marisco de boa qualidade em Lisboa. Interessantes, os bichos, mas olvidáveis. Depois, veio o céu. Preparou-se uma tábua de queijos com o Tartufo e o Scarmoza da Deli, com um manchego fumado comprado numa rua do bairro Gótico de Barcelona, e com um queijo de cabra coberto com paprica, adquirido no mesmo local. Queijo de ovelha e cabra, como se quer num tábua decente, com o toque gracioso do leite de búfala do Scarmoza (ficou guardado um Azeitão, para outra ocasião). Perfeito. O Tartufo e o Scarmoza (este último provado pela primeira vez) são queijos de qualidade suprema, donos de sabores complexos e delicados. Emocionam qualquer apreciador de queijos, e têm potencial para converter os mais cépticos. Os dois queijos espanhóis, sendo exemplares de outra categoria, lutaram mesmo assim galhardamente, conquistando a aprovação de todos os que estavam à mesa. O de cabra parece vir de uma produção pouco industrializada, e dificilmente será encontrado por quem ler estas linhas se não viajar até à Catalunha. Mas aqui fica o nome, para quem quiser registar: La Pastora d’Olo. A escolha do vinho para acompanhar a tábua incidiu em França, pois nestas coisas da mesa, é país que sabe o que faz. Foi um magnífico Châteauneuf-du-Pape (Soleil et Festins) de 2001, comprado na Deli Delux, que nos acompanhou durante a aventura queijeira.
Logo a seguir passou-se para a secção dos fumados. Lomo Ibérico trazido de Sevilha, e Fuet e ovas de maruca de Barcelona, demonstraram mais uma vez que , do outro lado da fronteira, não se brinca com os embutidos e os ahumados. Para completar a secção dos petiscos, vieram as gambas, tratadas de duas forma distintas: ao alhinho, e com sambal (Udang Goreng), à maneira indonésia.
Depois começaram os pratos, que me abstenho de comentar, pois só critico obra alheia:
- Carapaus alimados com pasta de azeitonas, alcaparras e anchovas, aveludado de batata doce, pimentos assados (com azeite da Herdade de Manantiz) e camarão do Árctico;
- Favas com línguas de bacalhau e amêijoas, e bacalhau confitado com cogumelos salteados e gamba com gengibre;
- Raia sobre pão catalão, com espetadinha de camarão e açorda de ovas de bacalhau;
- Costeletas de pato com mel, e fettuccine de castanha com marisco;
- Sorvete de lima e hortelã, camembert no forno e bananas fritas;
Acompanhou-se a refeição com alvarinho Deu La deu, cerveja Hoegaarden e Franciskaner, consoante o prato na mesa. Os últimos dois pratos não resultaram naquilo que fora previamente planeado, devido ao cansaço e às muitas horas de mesa que já começavam a pesar. Faltaram, principalmente, o risotto de cogumelos para acompanhar o pato, e alguns pormenores à sobremesa, que lhe dariam outras cores e cheiros.
Não comento os resultados, mas prometo revelar algumas receitas no blogue Na Cozinha. Quero só acrescentar que o sorvete de lima e hortelã, quando agregado a um pouco de cachaça, resulta num excelente estabilizador de palato, situando-se algures entre a caipirinha e o mojito.
(Este texto é publicado simultaneamente nos blogues No Mundo e Na Cozinha)
Carlos Miguel Fernandes
1 comment:
Bem, acho que já ninguém faz jantares assim, com a crise por um lado e as dietas por outro. isso é um jantar de papas! De aristrocatas do século passado.
Só queria saber como se faz o risotto de cogumelos..
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