Salmorejo
Esta desconfianza hacia el tomate puede parecer hoy increíble, cuando es el ingrediente fundamental de tantos y tan famosos platos, especialmente en el Mediterráneo, pero también en todo el mundo.
Rosa TOVAR e Monique FULLER, 3000 Años de Cocina Española
Quando as naus castelhanas encontraram os tomates na região do México (para onde migraram ainda na pré-história, desde a América do Sul) e os trouxeram para o continente europeu, os povos do Velho Mundo torceram o nariz. Talvez tenha sido devido à sua acidez, ou à sua cor, vermelho vivo, luxuriante e sugestão de muitas transgressões. A semelhança com a mandrágora, fruto maldito, também conhecido como Maçã de Satanás e Maçã do Amor (poma amoris), não ajudou, e a proscrição foi imediata. Os italianos ainda hoje lhe chamam pomodoro, a maçã de ouro, e a origem desta designação pode estar relacionada com a poma amoris, ou, segundo Stewart Lee Allen (em In the Devil’s Garden – A Sinful History of Forbidden Food), com as maçãs douradas do jardim das Hespérides, um éden de génese grega. A história da entrada do tomate no Novo Mundo está resumida neste nome com o qual os italianos baptizaram o fruto proibido das Américas. E foi também em Itália que o tomate começou a romper superstições e a entrar nas cozinhas dos europeus. Hoje, é incontornável na gastronomia mediterrânica. A cozinha andaluza não vive sem o seu sumo ácido e polpa insinuante, e o gaspacho é o rosto mais visível da relação entre o tomate e cozinha do sul de Espanha.
Mas se o gaspacho é, sem dúvida, a mais conhecida receita andaluz sustentada no tomate, e é já um dos ícones da gastronomia espanhola, há outro prato, também baseado no tomate, que rivaliza, na Andaluzia, com a sua popularidade. Chama-se salmorejo, e em Granada, fruto do peculiar sistema de tapas, é até mais frequente do que a célebre “sopa” fria.
Carlos M. Fernandes
Não há uma receita de salmorejo. Há uma receita por família. Mudam-se os ingredientes, alteram-se as quantidades, e algumas variantes têm honras de denominação própria, como o salmorejo cordobés. Mas o tomate, o pão, o alho e o azeite (e um pingo de vinagre, como eu gosto) não podem faltar, porque destes ingredientes, nos quais se sintetiza a cozinha mediterrânica, se faz o âmago do salmorejo, ao qual depois se adicionam os atavios, o ovo, o presunto, ou até pepino e pimento verde muito bem picados. Não havendo receita canónica é difícil descrever um procedimento rigoroso. Mas aqui ficam algumas sugestões: juntar pão e tomate na mesma quantidade (peso); adicionar o sal com cuidado, tendo em conta aquele que o pão já tem; juntar um pouco de vinagre de Jerez; ter algum cuidado com o alho, dois alhos para meio quilo de tomate é mais do que suficiente. Um fio de azeite, alguns minutos na trituradora, e já está. (Há um truque, que aprendi aqui na Andaluzia, para deixar o salmorejo muito cremoso: tempo na trituradora, dois, três, cinco minutos, o suficiente para que fique com uma textura aveludada.) Para a degustação ser perfeita só falta uma varanda com vista para Granada.
Carlos Miguel Fernandes