Chama-se Reypenaer, é um Gouda com dois anos de maturação e um dos meus queijos de eleição. O Gouda é um queijo holandês produzido com leite de vaca e carrega já uma longa história que remonta ao século VI. A partir do século XII começou a ser exportado e hoje é um queijo com uma respeitável popularidade, e que se encontra espalhado por todo o mundo. Quando jovem, é firme mas flexível. O envelhecimento dá-lhe uma consistência mais dura, alguma granulação e cristais que fazem lembrar o parmesão. Com doze a dezoito meses de envelhecimento é também utilizado para cozinhar, ralado, mas o Reypenaer V.S.O.P. de dois anos não pode ser usado com tanta leviandade. Estamos perante uma das mais preciosas jóias da cultura queijeira do mundo, um produto que já franqueou as portas da exigente cozinha do El Bulli de Ferran Adrià. Cortado em fatias muito finas, entra na boca discretamente, para depois eclodir com num travo persistente a frutos secos e noz-moscada, libertando também uma ligeira sugestão de fumeiro. Compro-o sempre que passo pelo aeroporto Schiphol de Amsterdão, mas como tenho a felicidade de fazer parte de uma família que agora se estende até à Holanda, sou brindado, com alguma regularidade, com uma cuidadosa selecção de queijos holandeses. E os queijos holandeses, caros leitores, são um caso sério. Não é só este Reypenaer que deslumbra.
Una olla de algo más vaca que carnero, salpicón las más noches, duelos y quebrantos los sábados, lantejas los viernes, algún palomino de añadidura los domingos, consumían las tres partes de su hacienda.
Thursday, April 26, 2007
Chama-se Reypenaer, é um Gouda com dois anos de maturação e um dos meus queijos de eleição. O Gouda é um queijo holandês produzido com leite de vaca e carrega já uma longa história que remonta ao século VI. A partir do século XII começou a ser exportado e hoje é um queijo com uma respeitável popularidade, e que se encontra espalhado por todo o mundo. Quando jovem, é firme mas flexível. O envelhecimento dá-lhe uma consistência mais dura, alguma granulação e cristais que fazem lembrar o parmesão. Com doze a dezoito meses de envelhecimento é também utilizado para cozinhar, ralado, mas o Reypenaer V.S.O.P. de dois anos não pode ser usado com tanta leviandade. Estamos perante uma das mais preciosas jóias da cultura queijeira do mundo, um produto que já franqueou as portas da exigente cozinha do El Bulli de Ferran Adrià. Cortado em fatias muito finas, entra na boca discretamente, para depois eclodir com num travo persistente a frutos secos e noz-moscada, libertando também uma ligeira sugestão de fumeiro. Compro-o sempre que passo pelo aeroporto Schiphol de Amsterdão, mas como tenho a felicidade de fazer parte de uma família que agora se estende até à Holanda, sou brindado, com alguma regularidade, com uma cuidadosa selecção de queijos holandeses. E os queijos holandeses, caros leitores, são um caso sério. Não é só este Reypenaer que deslumbra.
Monday, April 09, 2007
(Com este tempo instável que nos tem visitado só nos resta mesmo brincar às Primaveras.) Recentemente, e para acompanhar o primeiro gaspacho do ano, reduziram-se as doses ao mínimo, e compôs-se um prato de amostras mediterrânicas. Para além do gaspacho, decorado com um camarão, fez-se ainda um ovo de codorniz escalfado e temperado com flor de sal, pimenta branca e paprika, uma pequena fatia de pão com tomate e encimado por uma mistura de pimento vermelho e coentros temperada com vinagreta, e umas azeitonas baseadas numa receita de Jose Andres, com pimento vermelho, anchova e alcaparras, tudo banhado por uma vinagreta com alho e casca de laranja.
Uma segunda tentativa, neste último fim-de-semana, melhorou um pouco a coisa, acrescentando-lhe um copinho com queijo de cabra submergido em azeite com grãos de pimenta e tomilho, e substituindo o pão do pimento picado por uma tosta de massa com cebolinho feita em casa. O gaspacho, para poder ostentar o nome sem vergonha, terá que esperar pelo verão. E, mesmo assim, lá terei que esquadrinhar Lisboa em busca dos tomates certos, ou então fazer uma visita ao Algarve.
Carlos Miguel Fernandes
Monday, April 02, 2007
A atracção principal da cidade encontra-se a sul, junto ao mar e um pouco afastada do centro, conquanto a zona esteja longe de ser pouco movimentada. O mercado de Jagalchi é a alma duma enorme urbe com cinco milhões de habitantes que cintila de actividade virada para o Pacífico, para um mar riquíssimo que a abastece com o melhor peixe e marisco que qualquer faina pode encontrar. O espectáculo começa no piso térreo do edifício que abriga o mercado, e prolonga-se pelas ruas adjacentes, onde as enguias se mexem furiosamente em tinas de plástico, os bivalves esguicham água e os polvos se passeiam por entre os pés dos transeuntes até que o seus donos os ponham na ordem. A oriente, o mercado de peixe seco continua a festa marítima, enquanto a norte o mercado de Gukje prolonga uma intensa zona de comércio, a qual termina mais acima ainda, na simpática rua dos alfarrabistas, que já nos recebe com serenidade.
O exterior do mercado também ferve de agitação culinária. A primeira fotografia da entrada anterior foi apanhada numa das muitas tascas que rodeiam o mercado de Jagalchi, a poucos metros da água. Aí, a especialidade são as enguias pequenas, esfoladas e cortadas a pedido, chegando às brasas do centro da mesa em pequenos troços que ainda se debatem em espasmos musculares post-mortem. Mas as vieiras, caros leitores, são um caso sério! Nem da Galiza trouxe tais recordações da concha de Santiago.
A segunda imagem foi obtida no centro da cidade, longe do mar, numa marisqueira onde jantei duas vezes (para além do segundo piso do mercado, foi o único restaurante que repeti na viagem à Coreia do Sul). O marisco, de qualidade irrepreensível, chegava vivo à mesa, onde era depois cozinhado na chapa, ao natural ou com um molho de cebola e pimentão. A concha que se vê na fotografia foi uma das grandes surpresas gastronómicas da viagem. Quando esperava um bicho rijo e desenxabido (as conchas grandes, tal como os búzios, não costumam ser muito generosas no sabor), encontrei com uma textura suave e um sabor rico.
Carlos Miguel Fernandes