Una olla de algo más vaca que carnero, salpicón las más noches, duelos y quebrantos los sábados, lantejas los viernes, algún palomino de añadidura los domingos, consumían las tres partes de su hacienda.
Tuesday, March 27, 2007
Tuesday, March 13, 2007
Wednesday, March 07, 2007
Carlos Miguel Fernandes, Seoul, 2001
Foi em 2001 que conheci esta cozinha cercada por gigantes (a gastronomia japonesa, as quatro grandes cozinhas chinesas, e as adocicadas iguarias da Indochina), mas de identidade forte e com argumentos para convencer qualquer apreciador da boa mesa. Em Seul são remotas as hipóteses de se conseguir escolher o que se pretende comer, e até de perceber o que existe para comer, especialmente quando deixamos para trás as zonas mais centrais (e mesmo aí, é rara a conversação em inglês que chega a bom porto). A escolha aleatória, muitas vezes feita de indicador apontado para indecifráveis caracteres na parede, é o único recurso disponível. E nos restaurantes mais modestos do centro (as tascas) a probabilidade de o pulgogi nos chegar às mãos é elevada. As mesas, com um grelhador no centro, já estão preparadas para assar as tiras de carne temperadas com molho de soja, alho, gengibre, cebolinho, e outros ingredientes que se encontram facilmente em qualquer supermercado oriental. No registo gastronómico, a estada em Seul foi dominada pelas carnes e pelo pulgogi. Houve deliciosas excepções, e recordo com particular saudade um excelente polvo acompanhado por myolchi pokkum (pequenos peixes, com cerca de dois centímetros, fritos), provado no restaurante do aeroporto, mesmo antes de embarcar para o triste regresso. Mas o pulgogi da cidade não enfada, antes pelo contrário. A miríade de acompanhamentos, sempre a rondar a meia dúzia, transformam qualquer refeição num festim de cores e sabores. Arroz branco, kimchi*, ovos, legumes com cozedura leve, uns fritos ocasionais, e outras ofertas, fazem de cada almoço ou jantar um momento de iniciação e experimentação. Depois de visitar Seul só voltei a contactar com a cozinha coreana num mediano restaurante de Budapeste e numa agradável casa de cozinha japonesa e coreana em Berlim. Em ambos os lugares os sabores foram minimamente recriados, mas a oferta era escassa. E faltava Seul, porque os prazeres da mesa não são imunes ao ar que os rodeia.
Agora preparo-me para ir mais longe. Depois de reviver as ruas de capital, vou meter-me na estrada para conhecer melhor a faceta marítima da cozinha coreana e perder-me no mercado de peixe de Busan, um colosso delirante rodeado por restaurantes especializados em marisco. Na província de Jeolla, uma região remota de costa acidentada e enfeitada por centenas de ilhas, espero provar os famosos polvos-bebé. E outras surpresas me esperam, certamente.
Despeço-me com a receita do pulgogi, o qual, como já se percebeu, não é mais do que um punhado de tiras de carne temperadas e grelhadas. A carne de vaca é a matéria-prima tradicional, mas já experimentei porco, peru, e até um peito de pato (ver imagem) que resultou num bom prato. Vamos às instruções.
A meio quilo de carne cortada em tiras pequenas junta-se uma colher de sopa (CS) de óleo de sésamo, uma CS de sal de sésamo**, três dentes de alho picados, uma colher de sobremesa de gengibre fresco e picado, duas CS de vinho de arroz, pimenta preta moída, cebolinho, duas CS de molho de soja e uma CS de açúcar (esta quantidade de açúcar não adocica o prato, serve apenas para equilibrar e compensar o sal excessivo do molho de soja; pode usar-se ketjap manis, o molho de soja da cozinha indonésia, menos salgado, e dispensar o açúcar). A mistura deve marinar durante hora e meia antes de ir para a grelha. Não é necessário mais tempo pois não se pretende que a carne absorva totalmente os sabores. Estes devem manter-se à superfície, respeitando o sabor original do bicho. O pulgogi não é estratégia para esconder uma matéria-prima fraca.
Esta é um amostra redutora da gastronomia da Coreia do Sul. O receituário é diversificado e vasto, e mostra-nos uma cozinha de mercado, onde a frescura, sabor e cor dos alimentos se combinam para nos oferecer banquetes de raiz plebeia mas de aspecto e delicadeza dignos de reis.
Carlos Miguel Fernandes
* Legumes fermentados e picantes. É normalmente feito com couve chinesa, e é omnipresente nas mesas coreanas. É um dos itens mais condimentados de uma cozinha respeitadora dos sabores originais dos alimentos.
** Obtém-se aquecendo um punhado de sementes de sésamo na frigideira até ficarem castanhas. Depois, junta-se sal (cerca de uma parte para cinco de sementes) e esmaga-se tudo no almofariz